sexta-feira, 3 de julho de 2009

Arte X Indústria cultural

Jéssica Lima

Os tempos mudaram. Os movimentos artísticos já não marcam tão fortemente os grandes momentos históricos, os quais também parecem estar se dissipando na lembrança da maioria das pessoas. Ambos sofreram uma espécie de esmaecimento ao longo dos séculos. A sociedade não mais atribui a devida importância à História, talvez porque a arte, o que a influenciava direta ou indiretamente, deixou de seguir os parâmetros até então conhecidos.
Até meados do século XIX, o artista desvendava os fenômenos sociais através do sentimento artístico, posteriormente traduzido em obra de arte, e não ganhava dinheiro com isso. Pelo contrário, muitas vezes, suas obras somente faziam sucesso após anos de sua morte. Com as transformações culturais trazidas pela aproximação do século XX, a cultura deixou de ser dividida em “arte superior” (erudita) e “arte inferior” (popular), passando essas duas formas de cultura, absorvidas e digeridas, a integrar a chamada cultura de massas. Esse novo tipo de cultura é a aglutinação das culturas erudita e popular. Nesse caso, “aglutinar” é o termo que melhor define a situação, pois significa a adjunção de dois sentidos originariamente distintos que perderam a individualidade. A cultura de massas surgiu a partir do advento dos jornais, da fotografia, do cinema (meios de reprodução técnico-industriais) e foi intensificada pela crescente presença dos meios eletrônicos de difusão, isto é, o rádio e a televisão. A cultura de massas foi considerada por diversos teóricos da comunicação (frankfurtianos e apocalípticos, como Theodor Adorno) como um instrumento de produção de mentes massivas, perpetuando uma única visão de mundo. Eles afirmavam que a verdadeira cultura favorece a singularidade e a capacidade crítico-reflexiva. Em virtude dessa oposição, a melhor denominação para cultura de massas seria indústria cultural, visto que por trás desse emaranhado de significações estaria somente a preocupação máxima com o lucro. A indústria cultural simplifica as artes erudita e popular para o mercado, oferecendo-as como produto à sociedade sob a forma do entretenimento, que, por sua vez, possui um caráter falsamente positivo. Nesse momento, o “artista” deixa de desvendar o mundo e passa a lucrar com o sistema. A arte foi transformada em mercadoria, perdendo sua capacidade de induzir ao momento de reflexão e portanto, cultivando o terreno da repetição e da ilusão. O que na indústria cultural se apresenta como progresso, como inédito, na verdade, permanece igual em todos os sentidos. A estrutura em sua essência é mantida, apenas muda-se a indumentária. Dessa forma, a indústria cultural não está interessada em informar e esclarecer e sim em vender, pois já nasceu contaminada com o imediatismo do lucro.
Entretanto, mesmo a informação sendo voltada para mentes massivas, os receptores podem apreendê-la de formas diferenciadas. Foi nessa brecha deixada pela indústria cultural que a Internet construiu sua trajetória. Um instrumento que tinha todo o potencial de difusão para se tornar mais um massificador, fez justamente o contrário, utilizando as mesmas armas. Na rede se encontra de tudo, é uma mistura incrível de culturas, preferências, bizarrices, serviços oferecidos, etc. Só que os receptores são simultaneamente emissores e agentes da informação, e por isso manejam esse vasto conteúdo com certa propriedade, passando a ter poder para interferir nos produtos simbólicos que consome. A Internet abre espaços para que a sociedade e as várias nações que se conectam diariamente tenham voz, possam expor o que pensam sem censura. E pensar a partir da bagagem do nosso repertório, usando-o como forma de expressão pode ser considerado arte.
Chegou um tempo em que não é mais possível delinear claramente os segmentos de cultura, visto que as diversas combinações existentes são o que fazem a diferença. A questão não é mais separar os nichos de cultura em erudito, popular e massivo, apontando o que seria de fato uma manifestação artística ou não, como fazem muitos teóricos da comunicação. O principal é se deparar com a obra e tentar identificar nela algo que seja familiar, que desperte um sentimento e uma reflexão acerca do tema tratado. A arte só se consagra como arte quando gera esse efeito positivo no receptor, quando contribui para expandir suas fronteiras reflexivas. Esse processo não se dá de forma igualitária, os indivíduos apreendem a informação de acordo com o seu repertório, por isso, mesmo na cultura de massa que visa o lucro, um indivíduo pode identificar uma manifestação artística. Um exemplo disso foi a adaptação do romance de Ariano Suassuna, A Pedra do Reino, para a televisão. O romance é uma manifestação artística que foi inserida num meio de comunicação de massa, a televisão. Entretanto, houve rumores de que a maioria das pessoas não compreendeu aquilo que estava sendo contado poeticamente em episódios. Isso ocorreu devido a falta de bagagem repertórica necessária para dar conta de compreender as combinações semióticas implícitas na obra. Chegamos ao ponto preocupante das consequências da indústria cultural. O hábito de oferecer ao espectador produções esvaziadas de significados – com a aparência de estar apresentando algo novo e de qualidade – torna os indivíduos desqualificados, do ponto de vista crítico e reflexivo, para apreender as verdadeiras manifestações artísticas, já que em nada contribui para expandir os limites do conhecimento acerca de um tema.

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