quinta-feira, 23 de julho de 2009

A comunicação e o comunicador



Pensar o jornalismo moderno sem os meios eletrônicos é tarefa impossível. Não identificar a importância da imagem, da instantaneidade da internet e da velocidade em que se multiplicam as informações é perder a lógica da comunicação atual. Temos que pensar a notícia de forma integrada. Estamos cercados de meios, mas esquecendo de determinar seus fins. Esta pluralidade pode significar o estrangulamento da informação pela diversidade das mídias.

É preciso estar atento. Quando o telejornalismo surgiu no Brasil, nos idos de 50, chegamos a profetizar o fim do rádio como veículo jornalístico. Por um momento acreditamos que a divulgação de imagens poderia dar fim a comunicação verbal. Algum “vanguardista de plantão” exclamou aos quatro ventos: “a imagem diz mais que qualquer palavra”, mas para o bem da comunicação social ele estava errado e ficamos felizes em ver o surgimento das rádios all news no fim da década de 90.

O rádio é e talvez por muito tempo ainda continuará sendo o veículo de informação mais democrático da era moderna. A radiodifusão une pessoas das mais diversas raças, classes socioeconômicas e nível intelectual. O alto executivo ouve a Lúcia Hipólito, na CBN, e fica informado sobre a redução do IPI do mesmo jeitinho que seu João, um hulmide lavrador, descobre na voz do Canázio, pela AM, que agora pode comprar sua primeira geladeira porque agora o preço caiu.

A televisão tem sua força e seu espaço. Em tempo real nos mostra como é a vida do outro lado do mundo. Mesmo quem não sabe ler ou escrever consegue entender que na China as pessoas não usam garfos para comer macarrão, o fazem com o auxílio dos “palitinhos”. Dá até pra rir disso e ficar informado ao mesmo tempo. Também através da telinha podemos entender que a Tsunami é uma “onda do mar revoltada” que destrói tudo que vê pela frente, sem que para isso precisemos ser especialistas em meteorologia.

A imagem diz muito sim; marca momentos, locais e, por vezes, expressões impossíveis de serem narradas como a cara de um político ao ser desmascarado em rede nacional. Mas, quase sempre, precisa de complemento. A simples imagem da enchente de um rio pode ter diferentes significados. Para que seja compreendia claramente carece de apoio: é preciso localizar o fato, identificar os envolvidos, causas e conseuências, seja através da locução ou da inserção de legendas. A palavra exerce seu papel de encadeadora do raciocínio em qualquer veículo. Cabe ao jornalista moderno essa “simbiose”.

Hoje vivemos a era da informação digital. Estamos cercados de portais, sites, blogs. Temos o Orkut, o Twitter, o Hi5... A cada instante recebemos um novo e-mail cheio de informações ou novas “fofocas” pelo MSN. Os scpraps estão aí! Até mesmo o celular perdeu sua função prerrogativa e agora serve como display para notícias das mais variadas. A “terceira guerra mundial” está aí e, nós comunicadores, precisamos nos armar!

Quem hoje em dia, nos grandes Centros, consegue se ver livre da internet? Nessa rede mundial é possível descobrir o mundo, entender a política, a economia, fazer pesquisas escolares, bater-papo e ainda ver as últimas gatas da Playboy? A sociedade moderna exige novas informações a todo instante e precisamos qualificá-las porque queiram os magistrados ou não, somos jornalistas por formação. Temos que alimentar a rede com notícias, números e informações de toda natureza na velocidade digital. Não temos tempo à perder!

Precisamos nos preparar. Entender que o rádio está presente no dia-a-dia da sociedade e que fala para todos os que podem ouvir, sem pedir licença! Não podemos desqualificar o veículo muito menos o ouvinte. Ao escrever "pro Rádio" lembrem-se do seu João lá do sertão da Bahia. Para ele “Redução de IPI” significa apenas que o preço da geladeira baixou. Então se faça entender!

Ao redigir pra TV não esqueça: tudo aquilo que pode ser mostrado não precisa ser dito! Mesmo as pessoas de raciocínio lento rapidamente entendem quando uma matéria é repetitiva, cansativa e chata. Ganhe tempo; corte palavras. Utilize mecanismos como “sobe som”, “respiro”, “insert”, “videografismo”, tabelas, etc., para dar velocidade à informação e tornar seu VT mais atraente. Se for entrar ao vivo preste atenção para não repetir aquilo que foi dito por um entrevistado. Mais ainda, não responda às suas próprias perguntas!

Quando for pensar num texto para internet fique atento: por mais horas que se passe diante do computador ninguém “tem saco” para textos intermináveis. Os links e hiperlinks servem exatamente para suprir o leitor de detalhes sobre determinada matéria. Só quem realmente precisa aprofundar-se em determinado tema irá clicar ali. Portanto, seja breve: privilegie as informações mais importantes no seu texto. Na web tem mais peso o que acabou de acontecer! Junte a isso imagens interessantes numa mesma janela utilizando plug-ins!

O jornalista que pretende sobreviver nos dias atuais precisa ser versátil, inteligente. Sagaz ao ponto de perceber as diferenças entre os veículos, suas funções, seus públicos-alvo. Só assim é possível escrever, falar e mostrar informações coerentes. Seja no rádio, na TV ou na Web só há vagas para profissionais bem "formados", informados e com facilidade de adaptação. Qualifique-se se de fato quiser fazer valer o diploma de jornalista. Caso contrário, o Gilmar Mendes terá razão!

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domingo, 19 de julho de 2009

Amigo

Há dias em que nada tem graça:
A lua brilha sem luz,
O Sol arde sem queimar,
E a água não mata a sede.

Tudo a nossa volta é vazio.
As palavras não se encaixam,
Os pensamentos são fúteis,
A vida treme no fio da navalha.

Os livros já não tem mais significado.
Os discos não conseguem aconchegar...
A tela do micro é uma pedra de gelo
E o carteiro se esquece de chamar à porta.

As curvas da estrada já não dão emoção.
O ronco do carro agora é barulho!
O locutor é um chato desmedido
E nem mesmos as propagandas conseguem fazer sinal.

Estamos cercados da mesmice!
A casa é mesma,
O corpo ao lado é só corpo,
A bagunça na sala já não traz alegria.

A solidão parece um caminho.
O roleta russa uma obsessão!
Mas na hora do gatilho, o último sentido:
A voz do amigo.

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quarta-feira, 15 de julho de 2009

A Ditadura da Boa Idéia

por Pedro Rampazzo

Uma das discussões mais produtivas que me envolvi, em 2009, foi sobre a defesa da “idéia”. Tenho um amigo, inteligentíssimo, que acha que o principal na vida é ter “boas idéias”. Durante um tempo, também acreditava que grandes idéias moviam o mundo. Errado! O que move o mundo são ações. E no audiovisual, como em todas as outras áreas que conheço, também é assim. Nos dias atuais, com a velocidade do tráfego de informações, uma boa idéia não é quase nada: pode durar apenas alguns minutos. Todo mundo tem boas idéias para um filme, mas poucas chegam a um roteiro e menos ainda a uma obra audiovisual. Por quê? O caminho é longo e cheio de ladeiras (parece Olinda). Comecei a me interessar por vídeo e cinema faz uns dois anos. Tudo começou com uma idéia: virar cineasta! A partir daí comecei a ver possibilidades audiovisuais em tudo. O cinema, por possuir movimento, é muito parecido com o mundo, com as pessoas e as situações, é fácil enxergar cinema em tudo, difícil é realizar... difícil e muito mais prazeroso que pensar e ter idéias. Em 2005, fui a um festival de música popular que existe na cidade do Cabo de Santo Agostinho (PE) e, tomando umas cervejas debaixo de um sol escaldante, ouvi (estava de costas para o palco) um coro de vozes femininas cantando umas melodias lindas. Como sou militante da música popular (é com isso que trabalho, atualmente), virei para o palco, olhei e me apaixonei de imediato: era o grupo Coco de Tebei que estava se apresentando. Lindo! Fazem música com o corpo. Cantam e batem os pés para marcar o ritmo. Não possuem instrumentos musicais (nem precisa). Voltei para casa com aquela imagem e som na cabeça. Tinha que ver “aquilo” novamente. E a oportunidade veio alguns meses depois. O Coco de Tebei, da pequena cidade de Tacaratu, sertão pernambucano, veio para Olinda, se apresentar no terreiro do saudoso Mestre Salustiano, falecido este ano. Eu e Paloma Granjeiro, minha sócia e amante, fomos para a Casa da Rabeca ver, novamente, este grupo maravilhoso. Antes da apresentação, fizemos contato com os integrantes e propomos um trabalho juntos. Disse a verdade: estávamos apaixonados por aquela brincadeira que eles faziam. Num próximo encontro, acertamos tudo. Foi assim que nasceu o projeto Eu Tiro o Couro do Dançador (2008): CD + DVD com o Coco de Tebei. No CD, gravamos 16 músicas interpretadas pelo grupo e alguns convidados. Para o DVD, produzimos o documentário Tebei, de 21 minutos, gravado em MiniDV, nas cidades de Tacaratu e Recife. O projeto é uma realização da Sambada Comunicação e Cultura (minha empresa com Paloma), com patrocínio do Governo do Estado de Pernambuco e apoio da Cabra Quente Filmes e da Associação Respeita Januário. A direção coletiva é de Gustavo Vilar (historiador); Hamilton Costa Filho (diretor de fotografia) e Paloma Granjeiro (jornalista e produtora fonográfica), além de mim. Nossa principal intenção, com a realização do documentário, foi mostrar para o mundo como vivem aquelas pessoas e divulgar o trabalho artístico delas, único no Estado. A Missão Folclórica de 1938, coordenada por Mário de Andrade, já havia passado por Tacaratu e registrado o coco feito na região. Pena que poucas pessoas tem acesso a este material. Com este primeiro produto audiovisual da Sambada, ficamos empolgados e, incentivados por Hamilton Costa (que é sócio de uma produtora de vídeo), começamos a fazer algumas inscrições em festivais nacionais e, em maio deste ano, ganhamos nosso primeiro prêmio: o Tebei foi o melhor curta digital da Mostra Pernambuco do 13º Cine PE Festival Audiovisual do Recife (2009). Uma boa idéia que deu certo e que está rendendo uma graninha para a Sambada e para o grupo Coco de Tebei, que passou a ter mais visibilidade no mercado musical local. Foi fácil? Claro que não. A realização do projeto durou mais de um ano; envolveu, diretamente, mais de 30 profissionais; custou mais que o valor do patrocínio; agradou e desagradou a muitos... mas, virei cineasta. Empolgado com a “facilidade” das coisas, estou escrevendo meu primeiro roteiro. Não será nada sobre música ou manifestações populares. Será um documentário sobre problemas urbanos que envolvem consumo de drogas e prostituição juvenil. Um tema pesado. Mas preciso fazer, pois agora, vejo cinema em tudo.


Pedro Rampazzo é jornalista, fotógrafo, cineasta (recentemente) e diretor da Sambada Comunicação e Cultura, uma empresa apaixonada pelas artes do Nordeste.

sábado, 4 de julho de 2009

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Castelo Virtual

Juliana Gil

É estranho como o mundo moderno funciona. De certa forma, é como se estivéssemos vivendo em um estado de hibernação desperta. O homem contemporâneo se divide em mil facetas diferentes e não adere a nenhuma; é sufocado pelo constante fluxo de informações, imagens e sons, mas não consegue sair da inércia. Seu corpo e espírito permanecem dormentes, acorrentados por grilhões invisíveis e “gentis” na sua dominação.

Existem tantas opções, tantos caminhos, tantas maneiras de se chegar a um objetivo desejado, mas nunca foi tão difícil encontrar um caminho próprio para trilhar. O homem moderno não tem mais consciência, apenas traços e instruções a serem seguidos sem pestanejar.

Neste círculo vicioso de acordar, trabalhar, descansar e se levantar para ir trabalhar de novo, já não há mais a consciência do eu por si próprio. O ser humano moderno é globalizado, atualizado, “plugado” e “desplugado” do mundo com a rapidez de um piscar de olhos e a crueldade de não se saber agir de outra maneira. A grande ironia é o fato de todas as coisas que a tecnologia e o acesso a informação, quase instantâneo, nos proporcionaram ao longo dos anos, acabaram também por complicar a vida um pouco mais.

A internet, grande responsável pelo grande fluxo de informações no mundo globalizado atual, nos tornou “seres multimídia”, capazes de pesquisar mil informações de mil fontes ao mesmo tempo, de desenvolver uma personalidade virtual, um espaço dentro de nós mesmos capaz de evadir a consciência das pressões do cotidiano.
É possível que com tudo isso tenhamos nos tornado pessoas cada vez mais frias e distantes da realidade. Os relacionamentos tornaram-se cada vez mais superficiais e tudo se tornou muito descartável. A internet nos permite dizer o que pensamos sem ter que responder a ninguém. Permite que ventilemos nossas frustrações sem medo de ser feliz. E na verdade, internamente, não fazemos nada disso. Um desabafo virtual, por mais sincero que seja, é algo que é feito do conforto de casa, através de uma tela de um computador, sem o menor contato onde possam ser percebidos os reais sentimentos das pessoas, fazendo com que dessa forma nunca tenhamos que encarar os nossos próprios demônios internos. Por trás de uma máquina é muito mais fácil ser humano, pensar e dizer coisas boas e bonitas. O mais difícil é viver essa sinceridade na vida cotidiana, e no convívio com as outras pessoas, buscando cada vez mais parecermos seres verdadeiramente HUMANOS, a seres meramente VIRTUAIS.

A questão racial no Brasil

Ana Cristina Ramalho

Cotas nas universidades suprem a carência de indivíduos que sofrem com o preconceito ou ele aumenta diante a esse sistema segregacional?
O possível fim do sistema de cotas das universidades do Rio de Janeiro gera intensas reflexões sobre um assunto, ainda mal resolvido, arraigado no corpo societário: o preconceito racial. Se por um lado há os que defendem a continuidade das cotas devido a uma “dívida histórica” da sociedade para com os negros, por outro, há aqueles que acreditam que a concessão das cotas por etnia acabaria por estabelecer explicitamente uma segregação interracial.
No dia 25 de maio, a Justiça do Rio de Janeiro estabeleceu a suspensão dos efeitos da Lei Estadual 5.346 que prevê o sistema de cotas para parcela de estudantes ingressarem em universidades estaduais. No dia seguinte, a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro entrou com um recurso no Tribunal de Justiça com o intuito de derrubar a liminar que suspendeu o sistema de cotas raciais e sociais para ingresso nas universidades estaduais, adiando-a para 2010, justificando a ação pelo vestibular desse ano estar bem próximo.

A existência das cotas das universidades e o papel do governo
A criação de cotas pelo governo pura e simplesmente não atinge o objetivo ao qual se predispõe, facilitando, com o respaldo da lei, o ingresso de estudantes ao nível superior. Em conjunto, deveria haver investimentos visando melhorias na qualidade do ensino, dando condições para que todos alunos fossem capazes de entrar em universidades por méritos pessoais. Se com um elevado nível de ensino ainda fosse perceptível a necessidade de determinados grupos de serem incluídos em algum sistema de cotas, ele poderia ser instituído e sua existência nem mesmo seria discutida.
A questão que sempre surge com o debate do referido tema é o porquê de não haver investimentos necessários na área da educação. É simples, o indivíduo quando tem acesso a uma educação de qualidade se torna um ser crítico, sendo assim, é mais prudente àqueles que estão e desejam permanecer no governo criar medidas paleativas para o problema da baixa qualidade de ensino, em vez de realmente saná-lo. E o político envolvido com essas causas ainda angaria alguns votos por dar a entender que deseja, de fato, melhorar o sistema educacional brasileiro.
A imprensa, por sua vez, assume papéis antagônicos sobre o tema. Sob ponto de vista do ideal, seria possível dizer que a imprensa, não possuindo um papel manipulador, defende e acusa a proposta de cotas de maneira genuína, por seus profissionais concordarem e discordarem da temática. No entanto, a realidade se mostra um tanto quanto diferente, sendo possível, sim, que haja profissionais da área que o fazem em prol de ideologias pessoais, mas que, na maioria das vezes, baseiam seu discurso de acordo com interesses dos partidos políticos pelos quais são apoiados.
O preconceito no Brasil atual
O preconceito no Brasil existe em uma intensidade muito maior do que aparenta. A sociedade possui a falsa sensação de que preconceito é coisa do passado e que não existe mais na sociedade contemporânea, no entanto, existe e ocorre (em grande parte das vezes) de uma forma velada, que tende a ser até pior do que se fosse explicitado. O fato de todos serem iguais perante a lei e o Estado significa não que todos devem ser tratados da mesma forma, mas que todos devem receber o tratamento necessário para que tenham as mesmas oportunidades.
No caso das cotas raciais, por exemplo, ocorre um paradoxo de difícil compreensão: o desejo de inserir indivíduos no (infelizmente) seleto grupo de universitários do país através da utilização de cotas que acabam por segregar negros, brancos e pardos, determinado qual grupo terá uma porcentagem de vagas reservadas. No final, o procedimento que fora criado para unificar resulta na separação de pessoas pela cor da pele, isto é, na segregação.
Praticamente impossível algum dia ocorrer a extinção completa de todos os tipos de preconceito, uma vez que é da própria natureza humana julgar pelas aparências ou julgar sem conhecimento específico sobre o assunto ou sobre a pessoa. E, outra questão que acaba fomentando o preconceito, tanto racial, quanto religioso, é o sentimento de vingança que é fomentado na sociedade contemporânea; muitas vezes, determinadas atitudes contra específico segmento racial, cultural, religioso ou social são tidas por grupos que tem como fundamento atitudes da mesma espécie que foram cometidas sobre esses, em algum momento do passado.

E o que é a cor da pele afinal?
Todos os seres humanos são diferentes e exatamente por essa diversidade é que a espécie humana é tão encantadora. Sendo assim, as diferenças deveriam ser vistas de maneira positiva, como forma de aprendizado de uns com os outros e não como justificativa para qualquer tipo de preconceito. A diferenciação racial, sob o ponto de vista dos biólogos, não existe, visto que, é apenas a melanina o fator diferenciador, sendo esta denominação vigente somente na ordem social. A cor da pele nada mais é do que aparência, no Brasil ao menos, não existe mais (se é que já existiu) a imagem do índio puro, negro puro ou do branco puro, a miscigenação deu fim a isso. Os portugueses (holandeses, franceses, ingleses, italianos e assim por diante) desde sua chegada difundiram seus genes europeus entre os negros africanos e as tribos indígenas que aqui viviam, resultando nessa população diversificada e reconhecida mundialmente pela beleza.

“Vocês têm negros no Brasil?”
“Sim, nós temos com muito orgulho, sr George W. Bush. Todos nós somos, temos parentes ou amigos que são, graças a Deus e à maravilha da miscigenação”. Não sei se foi essa a resposta dada pelo então Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, ao ser indagado, mas, sem dúvidas, deveria ter sido.
Até o momento, não se sabe ao certo quando (e qual) será o desfecho da suspensão das cotas em universidades, no entanto, será ainda mais gratificante o momento em que o Brasil poderá ser considerado verdadeiramente um país livre da sombra ignorante do preconceito.

Arte X Indústria cultural

Jéssica Lima

Os tempos mudaram. Os movimentos artísticos já não marcam tão fortemente os grandes momentos históricos, os quais também parecem estar se dissipando na lembrança da maioria das pessoas. Ambos sofreram uma espécie de esmaecimento ao longo dos séculos. A sociedade não mais atribui a devida importância à História, talvez porque a arte, o que a influenciava direta ou indiretamente, deixou de seguir os parâmetros até então conhecidos.
Até meados do século XIX, o artista desvendava os fenômenos sociais através do sentimento artístico, posteriormente traduzido em obra de arte, e não ganhava dinheiro com isso. Pelo contrário, muitas vezes, suas obras somente faziam sucesso após anos de sua morte. Com as transformações culturais trazidas pela aproximação do século XX, a cultura deixou de ser dividida em “arte superior” (erudita) e “arte inferior” (popular), passando essas duas formas de cultura, absorvidas e digeridas, a integrar a chamada cultura de massas. Esse novo tipo de cultura é a aglutinação das culturas erudita e popular. Nesse caso, “aglutinar” é o termo que melhor define a situação, pois significa a adjunção de dois sentidos originariamente distintos que perderam a individualidade. A cultura de massas surgiu a partir do advento dos jornais, da fotografia, do cinema (meios de reprodução técnico-industriais) e foi intensificada pela crescente presença dos meios eletrônicos de difusão, isto é, o rádio e a televisão. A cultura de massas foi considerada por diversos teóricos da comunicação (frankfurtianos e apocalípticos, como Theodor Adorno) como um instrumento de produção de mentes massivas, perpetuando uma única visão de mundo. Eles afirmavam que a verdadeira cultura favorece a singularidade e a capacidade crítico-reflexiva. Em virtude dessa oposição, a melhor denominação para cultura de massas seria indústria cultural, visto que por trás desse emaranhado de significações estaria somente a preocupação máxima com o lucro. A indústria cultural simplifica as artes erudita e popular para o mercado, oferecendo-as como produto à sociedade sob a forma do entretenimento, que, por sua vez, possui um caráter falsamente positivo. Nesse momento, o “artista” deixa de desvendar o mundo e passa a lucrar com o sistema. A arte foi transformada em mercadoria, perdendo sua capacidade de induzir ao momento de reflexão e portanto, cultivando o terreno da repetição e da ilusão. O que na indústria cultural se apresenta como progresso, como inédito, na verdade, permanece igual em todos os sentidos. A estrutura em sua essência é mantida, apenas muda-se a indumentária. Dessa forma, a indústria cultural não está interessada em informar e esclarecer e sim em vender, pois já nasceu contaminada com o imediatismo do lucro.
Entretanto, mesmo a informação sendo voltada para mentes massivas, os receptores podem apreendê-la de formas diferenciadas. Foi nessa brecha deixada pela indústria cultural que a Internet construiu sua trajetória. Um instrumento que tinha todo o potencial de difusão para se tornar mais um massificador, fez justamente o contrário, utilizando as mesmas armas. Na rede se encontra de tudo, é uma mistura incrível de culturas, preferências, bizarrices, serviços oferecidos, etc. Só que os receptores são simultaneamente emissores e agentes da informação, e por isso manejam esse vasto conteúdo com certa propriedade, passando a ter poder para interferir nos produtos simbólicos que consome. A Internet abre espaços para que a sociedade e as várias nações que se conectam diariamente tenham voz, possam expor o que pensam sem censura. E pensar a partir da bagagem do nosso repertório, usando-o como forma de expressão pode ser considerado arte.
Chegou um tempo em que não é mais possível delinear claramente os segmentos de cultura, visto que as diversas combinações existentes são o que fazem a diferença. A questão não é mais separar os nichos de cultura em erudito, popular e massivo, apontando o que seria de fato uma manifestação artística ou não, como fazem muitos teóricos da comunicação. O principal é se deparar com a obra e tentar identificar nela algo que seja familiar, que desperte um sentimento e uma reflexão acerca do tema tratado. A arte só se consagra como arte quando gera esse efeito positivo no receptor, quando contribui para expandir suas fronteiras reflexivas. Esse processo não se dá de forma igualitária, os indivíduos apreendem a informação de acordo com o seu repertório, por isso, mesmo na cultura de massa que visa o lucro, um indivíduo pode identificar uma manifestação artística. Um exemplo disso foi a adaptação do romance de Ariano Suassuna, A Pedra do Reino, para a televisão. O romance é uma manifestação artística que foi inserida num meio de comunicação de massa, a televisão. Entretanto, houve rumores de que a maioria das pessoas não compreendeu aquilo que estava sendo contado poeticamente em episódios. Isso ocorreu devido a falta de bagagem repertórica necessária para dar conta de compreender as combinações semióticas implícitas na obra. Chegamos ao ponto preocupante das consequências da indústria cultural. O hábito de oferecer ao espectador produções esvaziadas de significados – com a aparência de estar apresentando algo novo e de qualidade – torna os indivíduos desqualificados, do ponto de vista crítico e reflexivo, para apreender as verdadeiras manifestações artísticas, já que em nada contribui para expandir os limites do conhecimento acerca de um tema.

Famosa quem?

Rafael Brakarz

Virgem. Mulher (especificamente mulher jovem) que nunca teve relações sexuais, através da vagina, com homem. Essa é a definição, segundo o dicionário da língua portuguesa Aurélio para o substantivo feminino.
Há menos de um século, o Brasil vivia em uma sociedade patriarcal, pregando valores éticos e morais, levando os dizeres católicos ao extremo e enxergando na família o principal vínculo afetivo e educador. O tempo passou, o mundo mudou e logicamente a sociedade também. Os valores não são mais os mesmos e o pensamento capitalista de acumular riqueza é cada vez mais comum entre as pessoas.
Esse é o objetivo de Caroline Miranda. Jovem, bonita de rosto e dona de um belo corpo, a morena surgiu na mídia há cerca de dois anos. Mais conhecida por Carol Miranda, a menina de 19 anos, vinda do interior logo se apresentou como a sobrinha de Gretchen, a cantora e dançarina que atingiu o estrelato ao final dos anos 70 e foi apelidada de “Rainha do Bumbum”.
Segundo Carol, Gretchen apoiava a sua entrada no meio artístico, pois ela não queria ver o título de “Rainha do Bumbum” com outra pessoa. Preferia passar o “trono” a alguém que fosse parte da sua família a ver o prêmio com alguma estranha. A estranha em questão era Andressa Soares, mais conhecida como Mulher Melancia, uma dançarina de funk recém-chegada à mídia àquela época e que chamava a atenção pelo rebolado da dança e pelo tamanho dos quadris: 121 cm.
Como os jornalistas do mundo artístico gostam de uma polêmica, Carol Miranda teve a carreira alavancada. Começou a conceder entrevistas, frequentar programas de auditório e lógico, como tudo faz parte de um jogo, de um acordo, entrou no ramo das fofocas.
Primeiro descobriram que o parentesco com Gretchen era falso. Na verdade ela é sobrinha do atual companheiro da ex-dançarina. Portanto, o laço entre as duas é de consideração. Tudo não passava de uma propaganda para lançar a menina no mundo do show business. Passado isto, para não cair no esquecimento e sair do foco da imprensa, Carol alimentou outra polêmica: disse em entrevista que era virgem.
A declaração não é novidade para esse segmento da mídia. Pessoas muito mais famosas do que Carol já fizeram a mesma declaração, como Angélica e Sandy. Esta, ao menos, manteve sua palavra até a hora do casamento e seguiu os preceitos do século passado.
Carol Miranda seguiu um rumo diferente. Após a descoberta do não parentesco com Gretchen e o anúncio da virgindade, começou a estampar capas de jornais tabloides, voltados para a parcela mais carente da população. Passou a frequentar semana sim outra não o programa “Superpop”, de Luciana Gimenez, de público igualmente ao dos jornais e a fazer sucesso com a exploração de sua imagem (corpo).
Tornou-se cena comum a menina deixar a calcinha aparecer, fazer topless na praia e obviamente, posou nua para uma revista voltada para o público masculino, a Sexy.
Não satisfeita com a exibição de seu corpo na revista, Carol relutou, porém aceitou estrelar um filme pornô. Após uma longa negociação com a equipe da “Sexxy World”, uma das principais do ramo pornográfico do país, selecionou um ator e gravou.
O nome do filme? “Fiz pornô e continuo virgem”. Para filmar os 90 minutos, Caroline teve que comprovar através de um atestado a sua virgindade. Essa foi a única exigência da produtora. Já a “atriz” exigiu que não acontecessem cenas de penetração pela vagina e um cachê de R$ 500 mil. “Sendo bem sincera, quando envolve dinheiro, tudo muda. A gente vive numa hipocrisia muito grande. Fiz mesmo porque foi uma proposta muito boa. Só tenho 19 anos e tenho que aproveitar. Estou sozinha, não estou namorando, e optei por fazer sexo anal. Vou fazer, continuar virgem e resolver minha vida. Depois, sei que vou encontrar uma pessoa bacana para ficar comigo e perder minha virgindade”, disse a moça , sonhadora e ao mesmo tempo realista, em 2008.
Hoje, um ano após o filme, Carol Miranda mantém uma agenda bem atarefada. Continua nos jornais e programas de televisão do mesmo estilo e comparecendo a eventos por um cachê. Tirou duas costelas para afinar a cintura, lipoaspirou as pernas e aumentou as próteses de silicone de 350 ml para 500 ml. Ainda com o filme nas bancas, disse sentir-se arrependida com o trabalho, entretanto, em 2009 estrelará um novo longa: “Encantos da sereia”.
É difícil acreditar nas pessoas que fazem parte desse meio televisivo. Tudo sempre parece falso, voltado para a própria propaganda e na intenção de não arranhar a imagem. Mas até que ponto isso é válido?
É cabível o pensamento de garantir uma boa poupança para o resto da vida, como pensou Caroline. Nenhum veículo fez qualquer reportagem sobre a sua infância no interior. Alguém se interessou em saber se a jovem passou por necessidades? Como foi a sua educação? Ou se há algum problema de saúde em sua família e esse dinheiro seria utilizado em um tratamento? Pode haver mil e uma razões para Caroline ter escolhido esse caminho, até mesmo o simples fato de ela querer vender seu corpo por vontade própria.
Os maiores problemas são as reflexões sobre o tema. Que mundo é esse no qual uma jovem de 19 anos, em tese com uma vida inteira pela frente, agarra a primeira oportunidade por desconfiar que o mundo possa não lhe oferecer outra? Que mundo é esse cada vez mais capitalista e menos romântico, amoroso? Que mundo é esse, que uma jovem sem trabalhar acumula meio milhão de reais?
Qual é o tamanho da culpa da mídia? Qual é a verdadeira extensão do perigo da super valorização da aparência, do tratamento do corpo como objeto? E o tempo útil de Carol, Mulher Melancia ou qualquer outra mulher bonita de corpo que aparece na TV nesse ciclo? Será que elas não percebem que são tratadas como mercadoria? Enquanto der audiência, servem. Será que elas não planejam a vida para daqui a dez anos?
O grande problema é o exemplo que se passa a outras gerações. Em um país como o Brasil, onde boa parte da população não tem acesso a estudo e nem a uma condição de vida digna, mas tem informação invadindo a tela da televisão, o que se mostra é uma jovem vendendo seu corpo para ganhar dinheiro e ascender na vida. A essência do sexo acabou e a sua banalização é mais rentável para o mercado.

A quebra do Pacto

Camila Acatauassú

Antes da era digital, poderia, facilmente, se falar em mercado editorial, produção de notícias e jornalistas como um grupo inseparável, que caminhava de mãos dadas, na mesma direção e lentamente.
Mas com a digitalização da informação e a crescente necessidade de transmissão de notícias de forma mais rápida e dinâmica, novos canais começaram a surgir, de modo a suprir essa demanda desenfreada por informação. Nessa leva, surgiram os blogs de notícias, jornais digitalizados, TVs online, notícias por SMS e até mesmo as atualizações de navegadores de Internet começaram a facilitar as pesquisas virtuais.
No entanto, toda essa modernização mudou também a relação inseparável do mercado editorial, da produção de notícias e dos jornalistas. De certa forma, o mercado editorial tornou-se obsoleto, afinal, nessa vida mais dinâmica e corrida da sociedade pós-moderna, as notícias precisam ser mais rápidas, curtas e portáteis do que um jornal de papel cheio de cadernos – como uma nota num SMS, por exemplo. Por outro lado, a rapidez, aparentemente necessária para esse ritmo de vida, acaba tornando as notícias efêmeras e preocupantemente superficiais. Sendo assim, modifica-se completamente o processo de produção de notícias, que, anteriormente podia ser muito mais meticulosamente articulado e rebuscado, checando fontes e tendo mais tempo hábil para ver as coisas acontecendo de fato. Hoje em dia, grande parte das notícias são apenas a recontagem de uma história que foi contada por alguém – ou seja, quanto mais obstáculos há no canal, mais ruído haverá quando a informação chegar ao seu destinatário.
O jornalista, nesse processo de modernização do bombardeamento, já não é apenas um mero expectador, investigador e partilhador dos fatos que presencia – ele é, ainda, seu próprio editor, fotógrafo, redator e corretor de erros. Tudo isso em tempo recorde de poucas horas ou, muitas vezes, minutos.
Certamente que as notícias, na sociedade atual, precisam ser transmitidas imediatamente; os telespectadores, internautas e mesmo os leitores anseiam por isso. A mídia impressa tornou-se lenta demais para a demanda e a rapidez que as mensagens precisam ser transmitidas para suprir a necessidade do sensacional que a própria mídia enxertou nas pessoas. Por conta disso, as notícias tornaram-se ocas, os jornalistas não são mais os especialistas em contar os fatos da maneira mais veraz possível e a esmagadora maioria das mensagens passadas e recebidas por pessoas que estão distantes, hoje em dia, são feitas por aparelhos eletrônicos, normalmente portáteis. Da mesma forma que não existe mais tempo para um homem normal, que trabalha oito horas por dia, ler o jornal inteiro quando acorda, não há possibilidade de a mídia parar um segundo sequer. A maioria dos sites de grandes empresas de comunicação e telecomunicação são atualizados vinte e quatro horas por dia.
A tecnologia, supostamente, não deveria dificultar a inteligibilidade dos fatos, pelo contrário. Porém, as pessoas preferiram trocar qualidade por quantidade. Até que chegará um dia que nem precisaremos mais de jornalistas para reportar os fatos – e talvez nem de pessoas para lê-los.

Eliminando o problema

Vinícius Ferreira

Parece-me engraçado, mas creio que algumas situações no Brasil acabam se tornando moda, fazendo jus ao famoso ditado “Maria vai com as outras”. Não estou falando da moda em si, dessa rotina consumista de óculos, roupas, calçados, desfiles e tudo mais ligado a esse mundo “fashion”, como é denominado. Me refiro à prática do abandono infantil.
Até pouco tempo encontrava-se em desuso o termo “Abandono de Incapaz”, porém a alguns meses se tornou assunto intensamente debatido, uma vez que transformou-se em rotina ouvir que mães largaram seus próprios filhos indefesos em latas de lixo, calçadas e até em lagoas.
Quem não se lembra do caso da Pampulha, no qual um casal de namorados teve seu momento de lazer interrompido por um contínuo e estridente choro de um recém-nascido? Incomodados, decidiram procurar de onde vinha o barulho. E, surpreendentemente, encontraram em plena lagoa, boiando dentro de um saco preto de lixo, uma criança. Toda a ação foi filmada pela câmera digital do casal (viva a tecnologia) e transmitida em horário nobre pela mídia brasileira (é claro).
Depois desse fato, inúmeros outros foram revelados aos demais cidadãos brasileiros, que a cada noticiário se revoltava e se indignava com o que era mostrado. Mães, jovens ou adultas, desprovidas de qualquer tipo de amor ou um simples afeto pelos filhos que geraram, simplesmente os largavam aonde convinha.
No dia 19 de janeiro desse ano, uma recém-nascida foi abandonada em uma vala de esgoto, em Cuiabá. Quando foi encontrada, a menina ainda estava com o cordão umbilical, molhada com a água do esgoto e suja de terra. Os pais da criança ainda não foram localizados pela polícia.
Parando para analisar uma situação como essa, chegamos a qual conclusão? Será que essas horrendas situações são provenientes da depressão pós-parto, da falta de preparo materno ou de condições financeiras ínfimas? Colocar culpa no dinheiro não seria a melhor opção, já que houve casos em que mulheres com boas condições praticaram tal ato. Falta de preparo até pode ser, pois a maioria dos casos está ligado a mães adolescentes. Mas já ocorreu de mulheres a cima dos 30, cansadas de verem e ouvirem o modo correto de cuidar de uma criança, fazerem isso.
Então o principal motivo só pode ser a depressão. Oh, coitadas dessas pobres mães, tão injustiçadas. Todos dizendo que a culpa era delas, quase crucificado-as e, na verdade, toda a culpa era da depressão pós-parto. Então, a obrigação da mídia e de cada um de nós é pedir desculpas a essas mulheres.
Mas há quem diga que não é a depressão a causa desses abandonos. Se assim for, o que pode gerar esse fato? Problemas psicológicos, ações provenientes de impulsos, desespero, ou falta de Deus?
Na verdade, não há uma explicação plausível e 100% lógica para definir o ato de abandonar um ser incapaz de se defender ou agir em favor de si próprio. Para a elucidação desse assombroso mistério é necessário adentrar no mundo psíquico dessas mães, se assim podem ser chamadas, a fim de descobrir a razão impulsionadora da ação.
Mas o pior ainda está por vir. Sites americanos mostram que de 1998 a 2004, 230 crianças morreram trancadas dentro de carros, contra 178 vítimas de furacões, provando, assim, que a irresponsabilidade dos pais mata mais do que furacão nos Estados Unidos. Ou seja, quando não se elimina o problema, jogando-o fora, o subconsciente entra em ação, nos levando a ter um momento de alívio, através do esquecimento do fardo carregado diariamente.
Logo, permanecem sem respostas indagações do tipo “Onde vai parar o ser humano?”, “Até que ponto o homem consegue ir para realizar certas ações?”, “Somos nós capazes de tudo?”. As respostas podem ser complicadas, mas uma reflexão sobre tais temas é viável. Pare e pense.


Art. 133 do Código Penal: “Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena - detenção, de 6(seis) meses a 3(três) anos."

"E agora, José?"

Filipe Barbosa

Sobre a não-obrigatoriedade do diploma para jornalistas, assunto abordado nas aulas de Teoria Do Jornalismo II e recente decisão do Supremo Tribunal Federal, eis algumas considerações:
O processo de formação da atividade jornalística se estabelece através da interação dialógica de partes provocantes, no que se relaciona à capacidade de questionamento acerca da realidade mundana, predispostas como sujeito e coisa na superfície de percepção do conhecimento.

A história do exercício profissional percebeu, ao longo de seu curso, inúmeras perspectivas e circunstâncias que mostram a complexidade de sua existência. Para ser atuante no segmento das ciências humanas, é importante ter um olhar crítico diante dos momentos engendrados pela evolução (involução) da sociedade, em tempos onde a modernidade observa a crise do lucro como fator predominante ao estado de alerta.

É importante ressaltar que a informação traduz, à luz da concepção humana, um leque de interpretações, no âmbito da lógica disponibilizada a partir do simbolismo e iconicidade convencionados à linguagem e aos hábitos, bem como às crenças repertorizadas no universo imaginário. O fluxo de notícias é fruto da avaliação significativa dos acontecimentos, fato que desobriga a necessidade das exigências acadêmicas, que se fundem no cumprimento dos requisitos legais instituídos legitimamente no campo social.

Vale frisar que em determinado período da caminhada política e da trajetória da imprensa, em plena ditadura, a voz da expressão e a liberdade de conscientização foram coibidas em aceno claro de repressão opinativa. Os militares se sobrepunham aos ideais estudantis, transformando o livre arbítrio em rédea curta.

Os veículos de Comunicação, por sua vez, sempre tiveram papel fundamental na questão dos interesses comerciais e financeiros, no que tange à persuasão político-ideológica, bem como ao culto em prol do entretenimento. A Indústria Cultural não carece de modelos “inalcançáveis” de produção intelectual, haja vista o estereótipo do sujeito pós-moderno se desvencilhar de toda e qualquer proposta nesse sentido. Em contrapartida, a transmissão de cidadania e de criticidade solicita aos mecanismos de ensino o grau mínimo de estrutura, em cujas raízes não encontra solução.

É válido acrescentar que, conforme rege a Constituição Federal de 1988, todo cidadão tem direito à liberdade de expressão e ao respeito de resposta, motivo que calca e enfatiza as atribuições de comunicador a qualquer habitante de nosso território capaz de negociar ideias. Afinal, será que a sociabilização depende, necessariamente, do vínculo educacional nos trâmites da frouxidão democrática do Brasil? Será que, para a execução do pensamento na coletividade, é preciso que paguemos pelo ensino em sua base ora deficiente?

O uso ideal do raciocínio na apropriação da voz da sociedade deve ser visto como premissa para a ação de um jornalista, independente das requisições antes previstas. A queda da lei de imprensa e a não-obrigatoriedade do diploma, decisões impostas pelo Supremo Tribunal Federal, passam longe de quebrar os paradigmas da profissão, pois a extenuante manipulação de fontes é o desafio indispensável ao cerne do Comunicador Social.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Ultimato

Muitas vezes pecamos em acreditar que tem que vir do outro a nossa oportunidade de melhora, de crescimento. Acreditamos sempre que fizemos a nossa parte e que se tudo está errado não temos culpa. Até mesmo o Sol brilha por pura obrigação! E as tempestades, essas são culpa dos outros.

Acordamos e pedimos bênçãos para um dia melhor, mas esquecemos, sumariamente, de agradecer pelo pão de ontem. Pedimos novas oportunidades de trabalho, mas esquecemos de recordar os erros anteriores para usufruir de forma consciente daquilo que está por vir.

Sem percebermos, nos tornamos rudes, frios, duros e nada pragmáticos. Exaltamos, ainda que inconscientemente, os erros e aflições dos outros. Estiramos o dedo sobre a ferida alheia sem oferecer um antídoto contra o mal. Mas sempre que a pedra nos dói no pé pedimos colo. Assim é a vida. O cotidiano. O dia-a-dia.

Nossa visão turva nos impede de enxergar as oportunidades que estão à nossa frente. A cada esquina nos deparamos com cidadãos vendendo balas, catando recicláveis, se expressando artisticamente em troca do pão. São “desavergonhados” que sabem o valor do arregaçar de mangas. São cidadãos à espera apenas do dia de amanhã.

Indiferentes a causa, continuamos batendo às portas das empresas, mandando e-mails, escrevendo blogs, acessando o twitter participando das inúmeras dinâmicas em grupo. Acordando cedo para enfrentar mais uma fila na porta do Serviço Nacional de Empregos. E o pior, depois de ter feito a mesma coisa durante os últimos tantos meses.

As pesquisas oficiais apontam queda no desemprego e aumento do número de carteiras assinadas no Brasil. E mesmo que não conheçamos ninguém que tenha conseguido arranjar emprego em suas áreas de formação nos últimos anos damos crédito à elas e esperamos a nossa oportunidade. Não está na hora de mudar?

Todos os dias vemos manchetes versando sobre demissão nas grandes redações do país. São colegas que contribuíram anos e anos para o crescimento de jornais, revistas, rádios e TVs e que agora vão engrossar o coro dos descontentes. Centenas de profissionais que vão acordar e esperar. Mover-se, vez em quando, em direção à fila do SINE mais próximo sem qualquer perspectiva de melhora.

Vamos parar de esperar e agir. Somos comunicadores. Precisamos mostrar ao mundoque podemos mudá-lo sim, começando do nosso próprio umbigo. Vamos meter as mãos na massa. Criar nossos veículos de expressão. As oportunidades estão diante de nós, só precisamos enxergá-las.

Se não podemos escrever para os leitores do nosso Estado, então vamos colocar nossos rabiscos nos jornais de bairro. Se não podemos falar nas ondas das grandes AMs e FMs, então recorramos às rádios comunitárias. Se nossa imagem passa credibilidade, estão aí as WebTvs e os canais fechados. Agora, se precisamos de multidões, que tal utilizar o twitter para que nos sigam através dos nossos blogs? Ah, podemos ainda refletir a imagem dos outros através da nossa assessoria.

Precisamos nos mexer. Acabaram de rasgar nosso DIPLOMA, mas não conseguiram nos tirar o conhecimento. Esse é só nosso e podemos ainda comercializá-lo. Não há mais exigência do curso superior para exercício do jornalismo, mas é preciso estar preparado. Essa é mais uma oportunidade: vamos preparar os novos “jornalistas”. Vamos dar aulas, que tal?

O importante é parar de esperar que tracem o nosso caminho. Vamos pôr o pé na estrada. Lutar pela nossa vida, gente! Se for preciso, vamos pra rua catar papelão, Pets, alumínio, ferro... Dançar, cantar, recitar poesias nas praças. Vender pamonha, refrigerante e pipoca nos sinais. Ou então, deixar a preguiça e o comodismo de lado e fazer jornalismo de verdade e independente! A escolha é nossa!

* Robson Fraga - Jornalista http://robsonfraga.uniblog.com.br

ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA - Romullo Assis




CONTRIBUIÇÃO DO Rodrigo Champoudry para a capa do futuro caderno de quadrinhos

OS NOVOS HERÓIS DO CINEMA - Clarissa Cardoso e Luiz Claúdio Bahiense



O Jardim do Nêgo

Carol Moryc

Ao chegar ao Km 53 da estrada Friburgo-Teresópolis, turistas de todo o mundo se encantam pelas esculturas gigantescas talhadas no barranco pelo artista plástico Geraldo Simplício. Nêgo, como é conhecido, nasceu no Ceará em 24 de fevereiro de 1943 e mora em Nova Friburgo há 40 anos. A exposição permanente de sua obra foi batizada de Jardim do Nego e é ponto turístico obrigatório da região serrana do Rio de Janeiro.
O artista usa o barranco do próprio sítio onde mora para fazer suas obras. A primeira escultura feita em 1981 foi a figura de uma mulher. Ao terminar, começou a chover e ele cobriu-a com um plástico, o que fez com que uma camada de musgo surgisse na superfície, servindo de proteção contra a erosão. A partir daí, Nêgo não parou mais.
A inspiração para as esculturas do Jardim do Nêgo vem da própria forma do barranco. Ele avalia a área e o material a ser trabalhado. Na última obra, a Índia Potira, o artista levou dois anos. Só para o aparecimento do musgo demorou cerca de um ano devido às condições do tempo e a variação das estações do ano.
A habilidade, porém, vem dos tempos de criança: “No início eu não fazia escultura, mas brincava de fazer bonequinhos de barro na minha região. Isso me concedeu aprendizado. Depois eu comecei a fazer ex-voto. Ex-voto é pé, mão, cabeça... Isso serve pra pagar promessa na região do Cariri que é no sul do Ceará. È muito comum nesta região a gente fazer promessa pra Padre Cícero e o pagamento ser em ex-voto. Aí depois passei a fazer esculturas de madeira”.
A primeira exposição aconteceu na cidade de Crato, no Ceará em 1966. Hoje, possui esculturas expostas até na Europa. O artista usa uma espécie de tapa olho pirata na testa, que chama de tapa chacra.

De Olhos Abertos
Em um livro, Geraldo Simplício guarda mais de 60 mil assinaturas dos visitantes do Jardim: “Aqui vem gente de uma boa parte do mundo porque a mídia tem certa generosidade, já que as imagens têm um efeito muito bom e isso ajuda as pessoas a vir visitar, atrai muito.”
As obras de Nêgo são de uma vivacidade incrível e causam admiração aos visitantes que são acolhidos pelo próprio artista quando chegam à sua casa. Uma das primeiras obras da exposição permanente são retirantes da seca que, segundo Nêgo, estão sorrindo porque viram água. Há também baleias e outros animais, mas o que chama mais atenção são as figuras de pessoas que trazem sempre uma expressão forte e viva.
Em um presépio interativo de quase 6 metros de altura, o visitante pode tomar o lugar vago na manjedoura do menino Jesus e participar como personagem da cena bíblica, cercado por imensas figuras de Maria, José e dos Três Reis Magos.

Jardim do Nêgo - Nova Friburgo
Estrada Friburgo - Teresópolis, Km 16,5 (sentido para Teresópolis).
Entrada R$ 10,00 – Crianças até 12 anos não pagam.

A culpa é delas

O ataque dos intelectuais de esquerda ao feminismo

Paula Goulart

Na abertura de seu artigo "Preconceitos nas charges de O Pasquim: mulheres e a luta pelo controle do corpo", de 2008, Raquel Soihet apresenta trechos de uma crônica escrita por Fausto Wolf no Jornal do Brasil em 2005, intitulada Restos da Realidade. No texto, o autor despreza o movimento feminista, afirmando que este não tinha olhares para todas as classes de mulheres e cita as mulheres pobres como exemplo. Após encontrar um bebê morto numa lata de lixo em Ipanema, próximo a uma favela, Wolff faz entender com as palavras sua suposição de que aquela criança pertencera a uma mulher pobre. Responsabiliza por isso as mulheres de classe média que abandonaram seus lares e seus afazeres femininos para disputarem mercado com os homens, e diz, ainda, que a revolução feminista teve como conseqüência o que ele denomina como "a mulher objeto"; sem alma, sem caráter, quase sempre mal paga e sempre mal comida. Sem dúvida uma depreciação não apenas do sexo feminino, mas de todas as lutas e conquistas pelas quais passaram as mulheres na história desta sociedade.

A repressão feminina, antes vivenciada de forma individualizada, teve no coletivo a oportunidade de maior expressão. As feministas alertavam que sua opressão era de cunho político-social, e usavam a expressão "o pessoal é político" para alertar as mulheres da real natureza da posição social em que se encaixaram por décadas. Foi questionando os reais valores e determinações culturais e sociais que o feminismo ganhou sua forma e se permitiu ser, para alguns como Celso Furtado, "o maior e mais importante movimento deste final de século".
Em meados dos anos 60, inúmeras mudanças se propunham, e rebeliões em favor dos negros, dos direitos civis e dos vietnamitas se faziam presentes. Emergia, então, nos Estados Unidos e em países europeus, o espaço feminista em meio a estas insurreições. Enquanto isso, o golpe militar insurgia no Brasil. O feminismo emergiu numa época em que qualquer organização que se propunha a reivindicar seus direitos era vista com maus olhos pelo governo. Também os esquerdistas se opuseram aos movimentos feministas neste país, achando que os movimentos de resistência deviam concentrar-se na luta contra a ditadura vigente. Além de julgar o movimento feminista de prioridade secundária - quando não desnecessário - no momento histórico em que viviam, os esquerdistas acreditavam que o feminismo era um fenômeno importado, um modismo passageiro. Foi neste contexto confuso que O Pasquim usou dos mesmos recursos com os quais estereotipava, caricaturava e ridicularizava o regime vigente para fazer o mesmo com as militantes que lutavam por seus direitos.

As questões pelas quais as mulheres lutavam, então, ganharam maior peso, dado o contexto histórico em que as lutas se inseriram. Reivindicavam-se os direitos da cidadania, do corpo, da sexualidade e da autonomia sobre suas vidas. Lutava-se para transgredir os valores impostos e pelo direito de imporem-se os seus próprios. Numa época de condenação à desvirgindade fora de um casamento e de caça e assassinato às mulheres que ousassem exercer sua sexualidade fora das leis do sagrado matrimônio (enquanto os homens o faziam para provar sua virilidade), as significações das lutas contra esta realidade ganham maior relevância e respeito.

As colocações sobre o corpo e a sexualidade encontravam dificuldades e pouco espaço mesmo dentro do movimento feminista. Como exemplo, pode-se citar o Centro da Mulher Brasileira (CMB) onde se destacava as questões socioeconômicas enquanto temas como a violência doméstica e a sexualidade, questões privilegiadas nas lutas feministas dos Estados Unidos e Europa, eram evitados.

Em 1980, quando a prática do aborto já era legalizada em diversos países europeus, ocorreu a primeira mobilização em favor desta prática no Brasil. As feministas distribuíram panfletos protestando “contra a ilegalidade do aborto, contra a política de natalidade do governo e se posicionavam pelo direito de abortar como último recurso, assim como pelo direito de optar por ter ou não ter filhos”. A luta pelo aborto foi então concentrada na conscientização para com a classe feminina sobre a importância deste problema e de sua luta pelo direito de abortar. No dossiê produzido pelo Centro Informação de Segurança da Aeronáutica sobre a entrevista concedida pelo CMB ao Fantástico em janeiro de 1980, os movimentos em prol da legalização do aborto estariam ligados ao comunismo internacional, uma contradição, posto o movimento feminista estar presente em países assumidamente capitalistas.

Outro episódio destacado por Soihet foi o ocorrido no Dia de Ação Internacional, em que, na intenção de atingir os setores populares, militantes distribuíram panfletos com os dizeres “Nossos corpos nos pertencem”. Alguns comunistas trocaram as letras e fizeram o trocadilho “Vossos corpos nos pertencem”. Na mesma lógica, o cartunista Ziraldo ridicularizou o intelecto feminino em uma de suas charges, escrevendo “Nossos corpos nus pertencem”. Um grupo de feministas revoltou-se com a atitude do artista e picharam sua casa com os dizeres: “Ziraldo, o Doca Street do Humor”, o que o fez, a partir de então, criticar sistematicamente o movimento feminista.

A luta pelos direitos e por um lugar na sociedade foi de extrema relevância e significação para a classe feminina. A evolução do papel da mulher e a transformação dos hábitos culturais e da visão de sua figura para além dos afazeres domésticos, sua conquista nas questões não apenas sociais, mas também relativas ao seu corpo e sua autonomia sobre o mesmo são de inigualável importância. No entanto, ainda encontra-se muita resistência nos tradicionalismos enraizados numa cultura – e não raramente em conceitos religiosos – que precisam acompanhar a evolução da sociedade. Não obstante os entraves sociais, as lutas pelos direitos da mulher ainda têm muitas conquistas a realizar.

Copo vazio - Adriana Kairos

Chegou ao ponto do ônibus arrastando o corpo pesado como todos os dias. Deuzira estava sempre cansada. Cansada da vida, da lida, da ida de volta para casa, diariamente, espremida num ônibus lotado do Centro a São Cristóvão. Seus olhos eram como grandes covas negras de um abismo sem fim de fadiga e indiferença. Nunca pensara o mundo. Suas ambições pequenas concentravam-se em alimentar seus seis vira-latas, que recolhera nas ruas em breves momentos de compaixão. E, também, pagar em dia o seu carnê das casas Bahia. Mulherzinha comum. Igualzinha a qualquer um. Sem viso nem “bum”. Adotara um hábito estranho, compartilhado pela maioria dos da sua espécie. Adorava ouvir as notícias policiais pelo rádio. Encantava-lhe as histórias mais, absurdamente, violentas, as de narrações tão truculentas, que o sangue das vítimas parecia escorrer através de suas orelhas gordas e peludas. Os fones ficavam tão, incrivelmente, colados aos ouvidos que era para Deuzira não perder uma gota de palavra que fosse. Em alguns momentos balançava a cabeça, como se reprovasse os atos esdrúxulos narrados pelo locutor, mas que em seu peito, bem lá no fundo, sentia uma bizarra satisfação. Era a sua novela preferida: a desgraça alheia.
Carregava sempre consigo uma bolsa, igualmente pesada, a tira colo. Bolsa que continha a sua vida, dizia. Um guarda-chuva de florzinhas azuis, quebrado e embrulhado em uma sacola plástica preta. Tão preta quanto os seus pulmões, escurecidos pela nicotina do maldito vício, que a matava aos poucos, mas Deuzira não tinha presa de morrer. Precisava pagar pelo menos o carnê da loja. O nome limpo era tudo o que tinha por herdade. Na bolsa também havia um pente preto, desses que não custam mais que um real, para desembaraçar os cabelos, naturalmente, frisados com ares de macarrão instantâneo. Uma sandalhinha (uma Havaiana genérica) para o caso de querer se sentir a vontade onde quer que fosse. Um casaquinho leve, ainda que o calor passasse dos quarenta graus. Além de: espelho, batom, papel higiênico, absorvente... Porém, o objeto mais significativo que passeava dentro daquela sacola de utilidades era um majestoso celular. Que além de símbolo de status e chamariz de ladrão, era um gasto desproporcional ao seu orçamento tão apertado. De fato, Deuzira ficou endividada por longos meses, mas precisava tê-lo, dizia. E não poupou esforços, caprichou na ostentação e comprou o que oferecia mais acessórios e recursos possíveis, ainda que não os soubesse usar. Último modelo, só faltava fazer chover, o sonho de qualquer consumista. Suas luzinhas eram, para ela, o próprio brilho do sucesso, irradiando, em contraste com suas mãos calejadas de unhas mal feitas.

Não tinha um livro naquela bolsa. Um jornal ou qualquer outra coisa que pudesse, de alguma forma interferir na sua maneira provinciana de pensar o mundo. Nada. As únicas leituras encontradas naquela sacola eram duas revistas de fofocas como o último escândalo de uma dessas celebridades instantâneas, como manchete e o resumo da novela das oito, marcado a caneta. Morava sozinha. Não tinha ninguém a sua espera. Ninguém para sentir sua falta. E já estava habituada a essa vida de mosteiro e não mais a angustiava a solidão. Era incapaz de um gesto de carinho, talvez, nunca lhe tiveram tratado com gentileza ou ao menos com compaixão, por um dia ter tido uma infância tão difícil de privações, sem oportunidades, mas que julgara a ter vencido e tinha o super celular para comprovar isso. A vida dura, a solidão e os noticiários de horror lhes roubaram a ternura, se um dia a teve.

Quando seu ônibus chegou, milagrosamente vazio, entrou arrastando-se, pagando a passagem automaticamente sem nem olhar para o cobrador. Sem notar que estava diante de um igual. De igual origem e condição: cansado, pesado, seco e vazio, mas que também ostentava o mesmo troféu. O celular último modelo que o módico salário, naturalmente, não poderia pagar, a não ser que seu valor fosse dividido, em mágicas folhinhas de um carnê de loja popular, a perder de vista.

Sentou seu corpo pesado em um acento próximo a porta de saída. Estava dormindo, babando e batendo a cabeça na janela quando entrou um rapaz negro, de cabelos loiros, pelo poder da água oxigenada, magrelo, com uma bermuda herdada de um defunto maior que ele. Isto porque se via sua cueca frouxa e sem-vergonha, que apresentava, a quem quisesse ver, o seu rego magro. Usava chinelos, não trazia camisa, mas levava um grande cordão, de bijuteria barata, com um pingente de cifrão, ao pescoço.

Quando Deuzira abriu os olhos e deu-se diante a tal figura entrou em pânico. Quase surtou. Mas o pior para ela não era o fato dele estar ali mas sim, de não ter visto em que ponto ele entrou, se havia tempo que ele estava no ônibus e principalmente, como ele havia entrado... Se pagou a passagem, de carona, ou se havia feito pior... Se entrou por ter ameaçado o motorista. De certo, é que esse rapaz tirou o sono de Deuzira, que sempre aproveitava a curta viagem do Centro a São Cristóvão para descansar antes de chegar em casa e começar uma nova rotina de trabalho e limpeza em seu, minúsculo, quitinete, com seus cães.

No susto dessa terrível visão, para ela, olhou sem conseguir disfarçar a ansiedade, para o colo, para ter certeza de que sua bolsa ainda estava lá. Pôs a mão, desta vez discretamente, pela abertura da sacola para assegurar-se de que não havia perdido o celular durante o sono. Tudo em ordem. Subitamente, começou a imaginar que estivesse vivendo alguma daquelas histórias de violência que adorava ouvir, ao meio-dia, numa estação AM. Pela primeira vez, em 18 anos, reparou mais que as mãos do cobrador. Também viu seus olhos arregalados do mesmo espanto, pois afinal, vinha do mesmo barro. Ela percebeu que o cobrador, mesmo com as mãos trêmulas tentava, dissimuladamente, esconder o seu troféuzinho enfiando-o dentro das calças.

O tal pesadelo andava de um lado a outro do ônibus, com um tom de voz alto conversava com o motorista e com outros passageiros, num dialeto próprio, recheado de gírias e palavrões. Gargalhando profundamente como se estivesse na cozinha da casa de um vizinho, num domingo, assaltando a geladeira, disfarçadamente, enquanto entretém, com o seu riso, os outros membros da casa. Deuzira havia ouvido histórias demais. Porém, o que a afligia, era não poder ver, de onde estava, a feição do motorista. E perceber se ele estava com medo ou assustado como ela e o cobrador que a essas alturas já havia engolido a aliança de ouro 18k, do seu casamento com a nega Leia. Uma mulata de parar o trânsito, passista da Imperatriz, que apesar de já ter sido casada e dessa união anterior, ter tido dois filhos, quando ele lhe propôs casamento a morena foi taxativa: “- Só caso se você me der uma aliança de ouro 18 pra botar no meu dedo.” Só ele sabia quantas horas extras havia feito por esses anéis. Depois... Era só tomar um laxante.

Deuzira também sabia quantas janelas, de prédios altos, havia tido que limpar, quantos banheiros e até cachorros havia tido que lavar. Quantos fins de semana perdidos para arrumar mais um dinheirinho indo fazer limpeza nas casas de campo dos patrões. Por isso, é que começou a fazer um movimento estranho na cadeira. Na tentativa de esconder a bolsa entre as pernas por baixo da saia, começou a agir de forma estranha. Não conseguia esconder a agonia e na sua ânsia, o cobrador, seu cúmplice no desespero, chegou a pensar que ela esconderia a bolsa mais profundamente do que realmente podia. Seu medo havia se tornado tão grande, por àquelas horas, que sua respiração forte e sua cara pálida, naquele ônibus quase vazio, chamaram a atenção do rapaz, que voltou-se para ela com o seu vozeirão de barítono, disse-lhe “- O quê que tu tem, tia?” Foi o bastante para que Deuzira começasse a chorar, a urinar nas calças e a rezar a santos de nomes impronunciáveis, para que tudo acabasse logo e ela saísse viva dali. Quando o negro-loiro percebeu que Deuzira estava fragilizada, levou as mãos a ela que logo começou a gritar no mais absoluto pavor. O cobrador, igualmente aterrorizado, disparou a cuspir frases do tipo: “- Deixe ela em paz!”, “- Ela é trabalhadora!”

Bestificado com todo aquele circo, o rapaz gritou ao motorista que o deixasse no próximo ponto, onde ao descer encontrou uma senhora, a qual chamou de “vó”, beijou-a nas murchinhas maçãs do rosto, tomou-lhe a benção e as sacolas pesadas, das mãos, que carregava e seguiram risonhos subindo as escadarias do morro. Ele contando a ela essa absurda história, riam-se achando graça e exclamando: “- Que gente doida!”

Enquanto isso, Deuzira e o cobrador recebiam socorro de um para-médico que coincidentemente viajava com eles.

“É sempre bom lembrar:
Que um copo vazio
Está cheio de ar.” ( Chico Buarque – composição: Gilberto Gil)